sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ego versus Pé no Chão

Houve um tempo em que quis ser um ícone!

Me lembro que em 1999, quando cheguei ao México pra fazer El Fantasma de la Ópera, eu disse ao meu diretor: me faça ser o melhor Fantasma do mundo. Na minha cabeça, queria ser o melhor ator, o melhor cantor, com mais presença de palco. Queria ser incrível. Queria que todo mundo que me visse tivesse sua vida tocada e transformada pra sempre. Queria ser aplaudido em cena aberta, por causa de um agudo lindo, ou por um relance genial de interpretação. Achava que se ensaiasse 16 horas por dia e dormisse 8, eu seria aquele cara instantaneamente idolatrado. Só faltava o mundo me descobrir! E ali era o começo! Tudo dali pra frente mudaria! Queria muito isso. É o sonho de todo aspirante à estrela-internacional-mundial-intergaláctica.


Hoje dou risada. Sério mesmo, dou risada. Risada não, vai. Sorriso de canto de boca. Porque eu acho que era exatamente assim que eu precisava ser naquele momento da vida. Foi essa vontade de vencer e ser um extraterrestre do teatro E da música que me fez abraçar a realidade que veio depois. Se você não acredita que vai ser o próximo American Idol, você jamais será! 
Mas a realidade, meu amigo... coloca você no seu lugar. Sempre. 
Quando começaram os ensaios - em  terras estrangeiras - eu percebi minha primeira limitação. Um pequeno detalhe, quase insigificante: eu não falava a língua fluentemente.Brasileiro é um povo muito prestativo. Nós somos os únicos na face da terra que tentamos falar a língua do estrangeiro que nos visita. Seja inglês, seja espanhol, seja qualquer uma! Aliás, espanhol, é mole! É igualzinho ao português! Pelo menos era o que eu pensava até ficar babando em meio à conversas de "mis compadres". E por não saber falar espanhol, perdi muito tempo no meu plano infalível de ser o melhor ator do mundo.
Depois veio outro pequeno problema. A altitude. Com 2.235 metros acima do nível do mar, mais o fator de stress emocional, não eram raras às vezes que rolavam pequenos blackouts, no período de ensaios. Fora que pra cantar fica bem mais difícil, quando se está extremamente nervoso e desacostumado com a altitude. Você se cansa muito mais fácil, o ar é mais rarefeito. Até montanhismo eu fiz por lá! Fui escalar o nevado de Toluca - um vulcão extinto que está a 4.690 metros acima do nível do mar - só pra ver se quando regressasse aos 2.235 metros da cidade, eu já me sentiria mais adaptado. Claro que não funcionou.
Isso, fora o fato de que a cidade era poluída, eu estava longe da família, não tinha amigos, vivia sob constantes olhares de aprovação e/ou reprovação. Ou seja, uma choradeira sem fim de quem começa a perceber que aquele plano infalível não está dando certo. Na real, muito pouco do que a gente planeja dá certo. A gente pode querer o mundo e o mundo pode perfeitamente não querer a gente. Mas é quase impossível um plano dar certo sem planejamento algum. Não adianta ficar de braços cruzados esperando ser o próximo American Idol. 

Ser "ídolo", ou melhor ainda, ter "sucesso", não cabe a mim - por mais talento que  tenha. Depende de um contexto de coisas. Depende de ser compreendido, de passar a mensagem certa na hora certa. Depende de como me comunico. De minha gentileza e tato em lidar com outros seres humanos que - eventualmente - contribuirão pra que alcance o tão desejado sucesso. Pessoas que na minha vida apareceram na figura de maquiadores, camareiros, peruqueiros, stage managers, produtores, diretores, etc. E não engane a si mesmo. As pessoas notam o tratamento que você dá pra quem você "precisa" e pra quem você "não precisa". Seja gentil, ponto. As pessoas à sua volta geralmente merecem.  

Hoje, não me acho o ídolo que jurava que seria, não me acho nada. Tenho um ego enorme, se me instigarem o espírito competitivo. Mas passa. Não é real... Sou ator, cantor e muito melhor bailarino do que Nureyev... Ok, foco! Amo o que faço. Às vezes sou mais feliz ou menos feliz em algum trabalho ou situação da vida. Mas amo o que faço, gosto demais do que faço. Teve uma frase que li que é maravilhosa: quando você faz o que ama, não trabalha. É exatamente isso! Essa história toda de ego, glamour, sucesso... é bobagem! Você não é grande, nem pequeno, a não ser no seu próprio coração, na sua alma. Ou pra sua mãe. Geralmente, pra ela, você é o melhor de tudo nessa vida. E já está ótimo! Ninguém precisa saber que você se acha a última bolacha do pacote, mas você tem todo direito de sentir-se. Então sinta-se!! Mas guarde pra si mesmo. Agora, por favor, não perca tempo com autopiedade. Isso atrasa a vida. Pena de si mesmo pela perda de um grande amor ou de uma ótima oportunidade de emprego, de uma viagem que foi cancelada pelo mal tempo... Deixe isso pra lá o mais rápido possível.

Pensar grande, mas manter-se discreto e generoso nas atitudes. Esse tem sido meu objetivo. Usar o ego à meu favor pode ser uma arma poderosa. Querer mais e mais pode ser um ponto de partida. Mas eu procuro sempre me lembrar de minha essência. Das coisas que eu acredito. Engraçado que hoje, justamente no dia em que estou fechando esse texto, minha querida amiga Paula me mandou uma mensagem do Dalai Lama que fala justamente que o mundo não precisa de mais "pessoas de sucesso" e sim de pacificadores, curadores e contadores de histórias. É isso! O sucesso é um produto de fora. Pra mim, eu vou ser sempre um contador de histórias. Seja com meus personagens, seja com minhas canções. 

Saulo Vasconcelos

4 comentários:

  1. Engraçado como a contemporaneidade nos aproxima na forma de pensar, de agir. Um passado parecido em situações diferentes. Um presente diferente em profissões, talvez, um pouco próximas.
    O que sempre me leva à reflexão é a medida do sucesso. É, às vezes, ouvir de amigos ou de outras pessoas que somos pessoas de sucesso e olhar para dentro e perguntar: sou mesmo?
    Na verdade penso que sucesso esteja intimamente ligado ao nosso estado de felicidade. E, se chegamos até aqui, felizes, amando o que fazemos, então, na minha opinião, está tudo certo.
    Um beijo muito carinhoso.

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  2. Linda cena em ação seu relato neste blog, ou seja, um ser humano se expondo e evoluindo! Li com vontade e procurando as identificações neste texto, de fato Saulo somos o que nos revela nossas relações e neste sentido já compartilhei contigo, você esta de parabéns porque todos que compartilharam da sua convivência e que por algum motivo ou situação cruzaram meu caminho por meio de amizade, admirador do trabalho artístico, pessoas dos bastidores dos seus espetáculos em diversos graus hierárquicos são unanimes em te elogiar. Parabéns isto é um degrau de sua evolução e sabedoria. Compartilho deste teu ideal.No espetáculo "Os Saltibancos" uma das músicas diz: " todos juntos somos fortes, somos flechas, somos arcos, todos juntos no mesmo barco, não há nada pra temer. Do meu lado há um amigo que é preciso proteger..." Abraço Saulo e lindo texto/testemunho que serviu para animar a vontade de novamente aplaudi-lo no teatro.

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  3. Saulo, que texto incrível!
    Aplausos mil pra vc!
    Um beijo grande

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  4. Saulo pra mim:

    Vc foi o melhor Fantasma do mundo.
    Vc é o melhor ator, o melhor cantor, com mais presença de palco.
    Vc é incrível.
    Vc fez com que minha vida fosse tocada e transformada pra sempre.
    Em bela e a fera eu e a plateia em que eu estava te aplaudiu por um agudo lindo e em Priscilla te aplaudimos novamente por um relance genial de interpretação.

    Eu te idolatro muuuuito. Só falta agora o mundo te descobrir!

    Vc NÃO se enganou, fez tudo isso na minha vida sim!!!!!

    De sua suuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuper fã Talita!

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