domingo, 15 de março de 2009

CRIANÇAS, JOVENS E ADULTOS ENTRAM NO RITMO DOS GRANDES MUSICAIS, EMBALADOS PELO SONHO DE BRILHAR NA 'BROADWAY'

15/03/2009


Jefferson Coppola/Folha Imagem








Cena do musical "Beatles num Céu de Diamantes", importado do Rio e em cartaz no Teatro das Artes.



Canto, danço e represento

por Adriana Küchler


Saulo Vasconcelos está feliz. Pela primeira vez em muito tempo, vai caminhar leve por palcos paulistanos. Depois de uma hérnia de disco herdada da fantasia de 25 quilos de sua Fera (a da Bela) e de problemas de pele causados pela maquiagem do Fantasma (o da Ópera), o ator, de 35 anos, terá de envergar apenas um terninho básico para encarnar o capitão Von Trapp no musical "A Noviça Rebelde", que estreia na próxima sexta-feira.

Menos felizes (e mais pesados) estarão os atores de "A Bela e a Fera", que ganha nova montagem a partir de 29 de abril. Por obra e graça da última versão do espetáculo, cuja temporada iniciada em 2002 alcançou público de 500 mil pessoas, o relógio acabou com problema na cervical, o castiçal teve de operar o ombro, e o bule acabou com bursite, como o presidente Lula.
Na última terça-feira, foi a vez de a noviça Kiara Sasso entrar para o elenco dos enfermos.

Depois de uma temporada no Rio, teve uma crise de alergia a São Paulo. Além das sete crianças do capitão, que ficaram sem governanta, quem comemorou (discretamente) foi Ester Elias, mais conhecida como "stand in" ou substituta. Ela ocupa o lugar de Kiara cada vez que a noviça oficial tem um problema."Torço para entrar e ao mesmo tempo não, porque não quero o mal dela, claro", diz a atriz, escalada como reserva por ser "muito latina" para o papel de uma austríaca. "Já em 'Les Misérables', quebrei o dedo no ensaio e fiquei duas semanas fora. Minha sub me agradeceu chorando."

Mas dedos quebrados e alergias ficam escondidos por trás das coxias. No palco, a temporada de musicais em São Paulo estreia bem saudável. Além da "Noviça" e de "A Bela e a Fera", chegou aos palcos paulistanos, na última sexta-feira, a produção "Beatles num Céu de Diamantes"; "Sassaricando - e o Rio Inventou a Marchinha" já está em cartaz . Uma versão musicada de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" entra no páreo nesta quinta, e "7 - O Musical", em abril.
A enxurrada de montagens é alimentada por números difíceis de ignorar: 800 mil pessoas assistiram a "O Fantasma da Ópera", em uma temporada que se estendeu por dois anos, de 2005 a 2007, com ingressos que chegavam a R$ 200 -só para citar o "case" de maior sucesso do filão. Frisson mais recente, os cinco musicais importados do Rio ("Noviça", "Beatles", "Sassaricando", "Dona Flor" e "7") criam uma nova versão da rixa da ponte aérea: as megaproduções estilo Broadway da grife paulistana Time For Fun (ex-CIE) x as montagens mais autorais dos cariocas. "São Paulo pode fazer produções maiores porque tem mais estrutura, teatros maiores e uma plateia maior", diz Cristiano Gualda, 36, ator e corroteirista de "Beatles". "Enquanto isso, o Rio investe em produções mais originais, como as que resgatam a história e os músicos brasileiros", afirma ele, que atuou também em obras sobre Geraldo Pereira e Carmen Miranda.

Para exportaçãoTrês das cinco produções "made in Rio" que passarão pela cidade são capitaneadas pela produtora Aventura e pela dupla dinâmica Charles Möeller e Claudio Botelho. Eles ganharam, na última terça, a categoria especial do Prêmio Shell de teatro pela contribuição ao gênero musical no cenário carioca.

E os dois diretores querem ainda transformar os musicais em produto tupiniquim de exportação. A partir de setembro, vão levar "Beatles" para passear na França e em Portugal. "A Noviça" poderá ganhar palcos latino-americanos em 2010.

Antes disso, porém, deve atrair milhares de paulistanos (ou não) para o Teatro Alfa. A T4F estima que de 20% a 25% do público de suas produções venha de fora de São Paulo e, entre eles, cerca de 70%, do interior do Estado.

Em Fernandópolis (a 553 km da capital), uma agência está montando um grupo para ver "A Noviça" no feriado de 1º de maio. O pacote, com direito a sete horas de ônibus, hotel e ingresso, sai por cerca de R$ 650.

Eu sou você amanhã Junto com o boom dos musicais e em busca da fama, chegou a São Paulo uma nova onda de migrantes que cantam, dançam e representam. Para abrigá-los, surgiu também um novo filão: o de cursos que preparam os futuros fantasmas, belas e noviças.
O sonho de estrelar um musical fez Raul Guimarães Tristão, 16, passar as férias de janeiro em São Paulo para cursar as aulas de teatro musical comandadas por Maiza Tempesta, no Espaço 10x21. Morador de Franca (400 km da capital), ele é parte de um grupo que faz musicais com dublagem, mas quer convencer os pais a deixá-lo vir morar na capital para investir na carreira e poder ver os espetáculos.

Caso parecido com o da catarinense Julia Dias, 20, que trancou a faculdade de administração para se dedicar à preparação. Os pais, que pagavam os estudos formais, deram a ela um ano "de folga". Apesar de ter recebido elogios do ídolo Saulo Vasconcelos, Julia ainda não teve sucesso nas audições -as disputadas seleções para os personagens de musicais que movimentam o mundo dos sonhadores cada vez que são divulgadas.

De teste em teste, Andréa Cristina Pito, 21, espera conseguir um posto nesse concorrido mundinho. "Nunca gostei de estudar. Leio livros, mas sobre dança. Adoro essa coisa glamorosa dos musicais", diz ela, que escolheu a escola do diretor Wolf Maya para se profissionalizar e ter visibilidade. "Com certeza, é mais fácil ser vista aqui do que na academia de bairro."
Mas não basta uma escola badalada e saber cantar e dançar. Andréa aprendeu, depois de três audições, que é preciso um requisito a mais: o "physique". Mesmo alta e magra, ela não tinha a "cara de princesa" requerida para levar um dos papéis em um musical da Disney, encenado dentro da Super Casas Bahia, no Anhembi.

Mendicância e dignidadeToda essa gente gasta sola de sapatilha para tentar passar no apertado funil de seleção dos musicais. Na versão paulistana de "A Noviça Rebelde", cerca de 2.000 crianças se inscreveram para as audições, mas apenas 20 foram selecionadas. Os ensaios duraram dois intensos meses, com oito a 12 horas de prática por dia, de segunda a sábado.
A ralação não compensa só o ego, mas o bolso também. Com a ajuda de leis de incentivo, em muitos casos, e patrocinadores de olho em um público crescente, os musicais são hoje o primo rico do teatro.

"O musical tirou o teatro da sua situação de mendicante e lhe devolveu a dignidade", diz Charles Möeller, 41, diretor da "Noviça", que neste ano terá cinco espetáculos em cartaz entre Rio e São Paulo. "Essas produções deram empregos para muita gente que dependia da publicidade ou vivia à sombra da televisão." Só a história da governanta austríaca emprega quase 200 pessoas, entre atores, músicos, camareira, peruqueira e afins.

Os salários no meio variam muito, conforme a experiência do ator e o tamanho do papel, da produção e do patrocínio. Mas um protagonista pode ganhar cerca de R$ 15 mil mensais, e um integrante do coro, por volta de R$ 3.000. "Nesse meio, a classe teatral está trabalhando e ganhando bem, talvez pela primeira vez", acredita Charles.

Falha técnicaPouco a pouco, os musicais vão estendendo seus tentáculos até o mundo acadêmico. Na UniRio, viraram disciplina fixa no curso de teatro. E, na tradicional Escola de Arte Dramática (EAD) da USP, vêm ganhando cada vez mais espaço nas oficinas de montagem.

Mas é nos cursos livres preparatórios para musicais que se concentra a maioria dos aspirantes a estrela. A rotina em alguns deles pode até lembrar os ensaios de produções profissionais. "Decora o texto, amor. Senão, vou te trocar." Seguido de um puxão de orelha bem-humorado. "Podemos anunciar na hora do espetáculo que tivemos um problema técnico... vocês."

Essas foram algumas das lambadas ouvidas pelos alunos durante o último ensaio antes da apresentação final do curso de férias da escola 10x21. A diretora-professora, Maiza Tempesta, 55, diz que é preciso uma certa "pressão psicológica pra ver se a coisa vem". "Pego no pé dos que têm o musical como objetivo de carreira", afirma ela, que fez parte de "A Chorus Line", junto com Cláudia Raia, nos anos 80.

Os cursos preparatórios costumam ter focos diferentes. No de Maiza, é nas técnicas de canto e dança, mais especificamente jazz e "belting", modo de cantar característico dos musicais. Na escola de Wolf Maya, a disciplina dança para musicais faz parte da formação de atores, mas também há cursos livres voltados para o estilo.

Já a Casa de Artes OperÁria, comandada pela atriz Ana Taglianetti, oferece cursos de interpretação, com foco em formar "um ator que canta e não um cantor", e de montagem, em que o aluno experimenta todas as etapas de produção de um espetáculo. Há também disciplinas só de canto ou de dança.

Em todos eles, no fim de cada ano ou semestre, os alunos fazem uma apresentação para ganhar experiência de palco e de público. A dedicação plena pode custar caro. Violeta Kay, 24, baiana que veio tentar a vida de atriz em São Paulo, gasta cerca de R$ 1.000 mensais com os cursos preparatórios. Quem banca são os pais, já que "não dá tempo de trabalhar".

Para o ator Theodoro Cochrane, 30, filho de Marília Gabriela, a vontade de participar de musicais custou uma operação. Incentivado pelo diretor Jorge Takla, especialista em musicais, começou a frequentar aulas de balé clássico no começo do ano. Antes de iniciar o curso de canto, no entanto, descobriu que tinha cistos nas pregas vocais. A saída foi fazer uma cirurgia, que seria dispensável para quem não usa a voz como instrumento de trabalho. "Acredito que a recompensa virá a curto ou a médio prazo."

Prima-donaMas nem só de migrantes e aspirantes a ídolos vivem as aulas de teatro musical. Cassia Maria Costa, 49, oncologista da Santa Casa, decidiu seguir os passos da filha e também se matriculou entre colegas com idade média de 17 anos. Sem grandes pretensões, acabou ganhando o solo da Mama Morton de "Chicago" na apresentação de fim de ano. "Foi bárbaro. Minha irmã chorou, e minha melhor amiga levou flores no camarim como se eu fosse uma prima-dona."
Apesar do sucesso de público e de cursos lotados, muita gente ainda faz cara feia para os musicais. "Existe no mundo teatral um preconceito contra esse gênero", diz a professora Ana. "Há quem ache que teatro musical é igual a Broadway. Se esquecem de que ele também engloba o teatro de revista, Chico Buarque..."

Contra o preconceito, há um bom argumento. "O ator que faz musical é um talento porque é mais que um ator", diz Samantha Dalsoglio, 35, que fez parte do grupo de Antunes Filho, de novelas da Globo e do SBT e há três anos se prepara para atuar em musicais. Além de ser mais que uma atriz, dançando, cantando e representando, Samantha espera também uma recompensa monetária. "Esse é o tipo de teatro em que o ator ganha, não é só fazer teatro por amor."

Colaborou Rafael Balsemãoem cartaz

"Beatles num Céu de Diamantes"

Teatro das Artes - shopping Eldorado. Av. Rebouças, 3.970, 3º piso, Pinheiros, tel. 3034-0075. Sex.: 21h30. Sáb.: 19h e 21h30. Dom.: 19h. Até 28/6. Ingr.: R$ 60 a R$ 80. A partir de 10 anos

"Sassaricando" Procópio Ferreira. R. Augusta, 2.823, Cerqueira César, tel. 3083-4475. Qui. a sáb.: 20h. Dom.: 19h. Até 19/4. Ingr.: R$ 60 (qui. e sex.) e R$ 70 (sáb. e dom.). Livre

Em breve

"A Noviça Rebelde" Teatro Alfa.

R. Bento Branco de Andrade Filho, 722, Jardim Dom Bosco, tel. 5693-4000. Qui.: 21h. Sex.: 21h30. Sáb.: 17h e 21h. Dom.: 16h. Ingr.: R$ 40 a R$ 180. A partir de 20/3. A partir de 5 anos

"Dona Flor e Seus Dois Maridos" Teatro Faap. R. Alagoas, 903, Higienópolis, tel. 3662-7233. Sex. e sáb.: 21h. Dom.: 18h. Ingr.: R$80. A partir de 19/3. A partir de 16 anos

"7 - O Musical" Estreia no dia 15 de abril no teatro Sérgio Cardoso

"A Bela e a Fera" Estreia no dia 29 de abril no Teatro Abril


"Gloriosa" Estreia em maio no teatro Procópio Ferreira

"Into the Woods" Estreia em junho no teatro Santa Cruz

Estrelas de "A Bela e a Fera", "O Fantasma da Ópera" e "A Noviça Rebelde",Kiara Sasso e Saulo Vasconcelos são o casal 20 ou o Wagner Moura e o Lázaro Ramos dos musicais, segundo Charles Möeller. A dupla alerta os novatos de que a fama exige sacrifícios.


Confira algumas dicas do casal:

>> Não cometer excessos, alimentar-se bem, evitar álcool e beber muita água para conservar a voz. "Cantor não vai pra balada e tem sempre um cachecol na bolsa", conta Kiara, que leva meia pro cinema, mesmo usando sandália


>> Não parar de estudar e investir em cursos na área em que tenha maior dificuldade


>> Não esperar resultados imediatos. "Tem global que nunca cantou e acha que, com um mês de aula, vai passar em teste. Se liga! Quem está na área estuda há anos", diz Kiara


>> Não basta talento. Ao se inscrever para uma audição, também conta muito enviar um currículo apresentável e bem escrito, com uma foto bonita


>> Aprender a ouvir "não" nas audições. "A rejeição acontece tanto para o que está buscando seu lugar ao sol quanto para as celebridades de Hollywood", diz Saulo

>> Aceitar ser reprovado numa audição, mesmo depois de sua melhor performance, porque não tinha o perfil exigido para aquele papel

>> Praticar exercícios físicos para evitar lesões e não acabar fora do espetáculo

Onde se preparar para atuar em musicaisCasa de Artes OperÁria. Rua Sacramento Blake, 88, Mooca, tel. 2618-5540. http://www.operaria.com.br/

Escola de Atores Wolf Maya. Shopping Frei Caneca, rua Frei Caneca, 569, 3º piso, Cerqueira César, tel. 3472-2444. http://www.wolfmaya.com.br/

Espaço 10 x 21. Rua Cotoxó, 321, Pompeia, tel. 3803-9975. http://www.10x21.com.br/

Saulo Vasconcelos (aulas de canto). tel. 3571-3685.
http://www.saulovasconcelos.com/


Fonte: Revista da Folha

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