domingo, 19 de agosto de 2012

(Mal) pago para ser xingado

CRISTINA PADIGLIONE -
O Estado de S.Paulo

Profissional cuja mãe ocupa o topo das figuras mais xingadas no mundo todo, independentemente de sua competência, o árbitro de futebol finalmente ganha lugar de protagonista - na ficção, bem entendido. FDP, série cuja sigla quer dizer aquilo mesmo que você está pensando, põe o juiz de futebol no centro da narrativa, sem privá-lo da condição de anti-herói exercida na vida real. Em 13 episódios, o título tem produção da Pródigo Filmes e entra no ar domingo que vem, às 20h30, quatro anos depois do início de sua produção.

Juarez Gomes da Silva, o árbitro, é Eucir de Souza, sujeito que perde a mulher, Manuela (Cynthia Falabella) depois de lhe transmitir doença venérea. E é na disputa pela guarda do filho do casal, Vini (Victor Moretti), que o nosso árbitro exibirá ao espectador os níveis de pressão por que passam os seus pares na vida real. O juiz da Vara de Família que decidirá sobre a guarda do filho é também presidente de um grande clube que disputa a final de um grande campeonato, em partida apitada por Juarez. "Esse personagem, além de ser o anti-herói, é uma figura muito frágil perto daquelas estrelas bem pagas do futebol", diz Giuliano Cedroni, um dos donos da Pródigo, que assina o argumento com os sócios Francesco Civita e Adriano Civita, diretor-geral da série.

O roteiro é de José Roberto Torero. "O árbitro é o cara que pode decidir o destino de um jogador e, no entanto, não recebe estrutura nenhuma para isso", completa Giuliano. Intérprete do bandeirinha Carvalhosa, melhor amigo de Juarez - "para tomar cerveja", avisa o personagem: "se quiser colo, chama a mamãe" -, o ator Paulo Tiefenthaler ficou impressionado com o cachê pago a um árbitro no Brasil. O elenco todo passou por laboratório real antes e durante as filmagens. "Para apitar um jogo de Brasileirão, eles ganham em torno de R$ 300. Se for uma final, chega a 800."

Segundo Tiefenthaler, "só quem está no campo tem noção de como a acústica dos estádios é boa". "Você escuta tudo de lá, todos os palavrões." O elenco conta ainda com Maria Cecília Audi, a protagonista indireta da série, ou seja, a mãe do juiz, Adian Verdaguer, no papel de Guzmán, seu namorado, Saulo Vasconcelos, que completa o trio de arbitragem, e Gustavo Machado, o namorado da ex-mulher de Juarez. As participações especiais formam um cast à parte, com gente muito mais conhecida que o próprio elenco central, todos em papéis distintos da vida real. Neymar, por exemplo, é apresentado como "o garoto do filtro". Rivellino entra em cena como um padre e Juca Kfouri, como jornaleiro. Isadora Ibeiro encena a "maria chuteira", Rincón faz o ex-jogador em programa de mesa redonda, Dentinho vira repórter e Júlio César, torcedor.

Só o fotógrafo J. R. Duran aparece como ele mesmo. Custo. Orçada em R$ 9,12 milhões, a série cria nomes genéricos de time de futebol. Pauliceia, por exemplo, é time com camisa muito similar à do São Paulo, e de fato a equipe gravou parte de uma torcida real em jogo do São Paulo. "Usar times de verdade não caberia no nosso orçamento, isso implicaria uma série de direitos que a gente não poderia pagar", conta. A Red Bull, sim, ganha exposição na camisa do time em foco durante uma das partidas, mas em troca da ajuda dada à equipe da Pródigo na escalação de atletas para cenas fictícias.

Segundo Giuliano Cedroni, a HBO procurava, há quatro anos, uma série sobre futebol entre todos os países latinos. "Apresentamos esse argumento do árbitro e eles acharam muito original", conta. "Mas produzir ficção sobre futebol é muito difícil", cita, da locação de estádios à figuração necessária a algumas imagens de torcida. Vem de lá, afinal, o xingamento em coro que justifica o título da série. Verba de incentivo. Dos quatro anos consumidos na produção de FDP, no entanto, nem tudo foi em função de filmagens.

As gravações foram interrompidas por 11 meses, até que o contrato de coprodução com a HBO fosse abençoado pela Ancine, Agência Nacional de Cinema, que liberou os recursos para a realização do programa. É que foi bem durante o período de produção de FDP que a Ancine resolveu rediscutir o modelo de sociedade entre canais internacionais e produtoras independentes brasileiras em projetos avalizados com verba pública. Desde então, os estrangeiros devem ser minoritários nessa parceria, cabendo às produtoras o papel majoritário. A condição faz diferença especialmente na hora de exportar o produto.

FDP será exibida simultaneamente ao Brasil em toda a América Latina, pela HBO, que também já garantiu usa exibição em seus canais nos Estados Unidos e na Polônia. E, convenhamos, o universo do futebol, às vésperas de uma Copa do Mundo no Brasil, conspira muito a favor de sua venda no exterior. "Estamos cruzando os dedos", torce Adriano Civita.

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