terça-feira, 16 de novembro de 2010

Da pista de dança para o palco


Se os anos 70 são comprovadamente uma fonte de nostalgia, a banda sueca ABBA é o melhor exemplo de como transformar a memória em franquia. Mesmo que os integrantes do grupo formado em 1972 já tenham se separado há quase três décadas, suas canções e seu estilo parecem nunca sair do universo pop e geraram uma infinidade de subprodutos extremamente lucrativos – de coletâneas ao ABBA Museum, em Estocolmo, passando pelo filme Priscilla – A rainha do deserto e por um sampler no último disco de Madonna.



Haveria algum motivo para que músicas como “Dancing queen”, “Chiquitita” e “Mamma mia” ainda façam sucesso nas pistas de dança e voltem às paradas de tempos em tempos? “Esse é um mistério com que eu vivo bem”, diz Björn Ulvaeus, um dos Bs do nome ABBA (>em>leia sua entrevista abaixo). As melodias pegajosas, a qualidade das cantoras e as grandes produções são parcialmente responsáveis pela longevidade do ABBA. Também não se pode subestimar a história do grupo, que tem papel essencial na formação do pop dançante atual: foi a primeira banda nórdica a fazer sucesso mundial e uma das pioneiras em usar o videoclipe como ferramenta de divulgação. Ainda assim, o trabalho de Ulvaeus nos bastidores merece a maior parte dos créditos pelo sucesso comercial da banda nos últimos anos. Após o esfacelamento da banda, Ulvaeus e Benny Andersson – o outro B do ABBA – juntaram-se para proteger o legado do grupo, lançando discos e produzindo musicais.

O teatro é um dos ambientes mais improváveis que a franquia ABBA conseguiu desbravar: com letras que beiram a banalidade, feitas sob medida para as pistas de dança, as músicas da banda tinham tudo para resultar em dramaturgia de péssima qualidade. Apesar disso, Mamma mia! está em cartaz em sete teatros ao redor do planeta, incluindo as montagens do West End de Londres e da Broadway. Já conquistou seu lugar na história, mesmo com apenas 11 anos de vida – pouco se comparado a musicais como O fantasma da ópera, há 24 anos em cartaz, ou Cats, há 30. A consagração definitiva veio em 2008, quando o espetáculo foi adaptado para o cinema, com Meryl Streep no papel principal.

A banda ABBA em 1978Antes de Mamma mia! , Ulvaeus já participara da criação de canções para outros dois musicais pouco conhecidos. Em Mamma mia!, ele e Andersson só precisaram concordar com o uso dos antigos sucessos do ABBA para se tornarem coprodutores. A receita que encontraram para fazer um musical de sucesso beira o óbvio: canções de amor superconhecidas, drama para diferentes faixas etárias, figurinos nostálgicos, cenários paradisíacos e uma aposta na capacidade das músicas para provocar empatia nos espectadores. Uma aposta cujo resultado os dois Bs do ABBA sabiam de cor.

O maior desafio era encaixar as letras numa trama minimamente plausível. Mamma mia! conta (e canta) a história da ex-hippie Donna, cuja filha está para se casar. Proprietária de uma pousada numa ilha grega, Donna reencontra amigas e amores do passado por causa da festa. Há o amor quase adolescente dos noivos, a relação entre mãe e filha, o desejo da noiva de conhecer o pai, o retorno das paixões do passado e, como não poderia faltar, o casamento no final.

Embora a história seja universal, em cada montagem há a preocupação de imprimir uma visão local ao show. Cada produção de Mamma mia! traz características do país e da cidade em que é encenada. Na versão brasileira, esse trabalho coube ao canadense Robert McQueen, que também dirigiu o musical nos Estados Unidos e no México. A atriz Kiara Sasso, principal estrela dos musicais brasileiros, foi escolhida para o papel de Donna. Protagonista de espetáculos como O fantasma da ópera e A noviça rebelde, Kiara considera Mamma mia! um marco em sua carreira de mais de 15 anos. “Além de fazer o papel de uma mulher bem mais velha do que eu, estou descobrindo que consigo atingir os timbres mais baixos que as músicas do ABBA pedem”, afirma. Além disso, foi possível mudar a movimentação no palco, algo raro em produções estrangeiras – em geral, elas enviam regras prontas a seguir.

Mas há um limite para a liberdade: os tradutores do texto original têm de obedecer a uma série de restrições – do número fixo de sílabas para cada verso à manutenção obrigatória de alguns refrões. “ ‘Dancing queen’ não virou a rainha do baile”, diz Cláudio Botelho, o responsável pela versão brasileira das letras. A exigência mostra a força da visão de Ulvaeus para a indústria ABBA: embora tenha uma importância crucial, a qualidade da produção deve estar subordinada à nostalgia.

Revista Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário